terça-feira, julho 25, 2006

A mente no laboratório




Aqui há uns tempos, falou-se muito das experiências feitas com praticantes budistas em estados de meditação, mas só agora estou a ler mais detalhadamente sobre o tema e sobre os testes realizados.

Na sequência dos diálogos que se têm vindo a realizar anualmente em Dharamsala entre um pequeno grupo de cientistas ocidentais e o Dalai Lama, tornou-se cada vez mais evidente que se poderia ir mais longe do que simplesmente dialogar. A ciência ocidental tem ajudado a lidar com as emoções destrutivas através essencialmente da medicação. No Budismo, considera-se que o treino da mente, sobretudo através da prática da meditação, é o antídoto por excelência, o método que permite trabalhar a vulnerabilidade da mente às tais emoções destrutivas ou perturbadoras (que podem ser definidas muito simplesmente como as emoções que causam sofrimento, a nós e aos outros).

Nas primeiras experiências, um monge budista foi testado nos vários tipos de meditação integradas no sistema do budismo tibetano:

- a concentração unidireccional, a meditação com um objecto de suporte (o método usado por todas as escolas budistas com todos os principiantes - geralmente usa-se a respiração, uma imagem, uma luz, neste caso o monge escolheu uma pequena porca do aparelho de IRM que estava por cima dele)
- meditação sobre a devoção e a compaixão, em que a bondade dos mestres serve de modelo
- a meditação sobre a audácia, que envolve "trazer à mente uma certeza destemida, uma confiança profunda que nada consegue perturbar, decidida e firme, sem hesitações, na qual não nos opomos a nada e entramos num estado em que sentimos que, independentemente de tudo o que possa acontecer, não temos nada a ganhar nem a perder"
- a presença aberta, ou "estado aberto", um estado de atenção ou vigília livre de qualquer pensamento, no qual a mente fica "aberta, vasta e consciente, sem qualquer actividade intencional. A mente não está concentrada em nada, mas está totalmente presente, não de uma forma focalizada, mas simplesmente muito aberta e sem quaisquer distracções. Os pensamentos podem começar a aparecer com pouca força, mas não se encadeiam em pensamentos mais demorados, acabando simplesmente por se desvanecer".

A primeira constatação, é que o monge submetido ao teste conseguia regular voluntariamente a sua actividade mental, o que contrasta evidentemente com a maior parte dos sujeitos sem treino a quem é dada uma tarefa mental - o comum dos mortais não consegue concentrar-se exclusivamente numa tarefa, logo, os resultados apresentam muito "ruído" misturado com os sinais que demonstram as tarefas mentais voluntárias. Através das estratégias de meditação que usava, o monge conseguia alterar as grandes redes do cérebro de forma demonstrável. Alterações tão nítidas da actividade cerebral entre diferentes estados de espírito são uma excepção.

A segunda constatação é que, em estados meditativos sobre a compaixão, por exemplo, a actividade do lado esquerdo do cérebro associada às emoções agradáveis e positivas era aumentada (pessoas tristes ou depressivas, por exemplo, têm um nível de actividade mental mais elevada na zona pré-fontral direita). Aparentemente, a preocupação pelo bem-estar dos outros cria um estado de bem-estar mais elevado na própria pessoa, o que vem de encontro à ideia budista de que somos os primeiros beneficiados com a nossa generosidade e altruísmo. É de registar que estas experiências têm um carácter pioneiro a nível da investigação ocidental, pois frequentemente o método científico tem sido usado para analisar as emoções negativas, a depressão, a ansiedade, etc., e não se tem concentrado em tentar "perceber" o lado positivo da mente humana.

Outra componente interessante destes testes relacionava-se com a identificação de emoções: o desafio aqui é identificar emoções universais (identificadas por qualquer indivíduo, independentemente da cultura) em rostos que permanecem num ecrã durante um quinto de segundo. A capacidade de identificar emoções como o desprezo, a ira ou o medo, reflecte a nossa capacidade de empatia. Através de experiências realizadas em milhares de pessoas, tinha-se chegado à conclusão de que as pessoas que melhor reconhecem estas expressões (que passam muito rapidamente, decorrendo fora do campo da nossa consciência), estão mais abertas a novas experiências e mostram-se mais interessadas e curiosas sobre as coisas em geral. Também são consideradas pessoa fiáveis, conscienciosas, eficientes. Os "nossos monges" obtiveram resultados acima da média, acima mesmo de "especialistas" como polícias, advogados, psiquiatras e agentes de serviços secretos (considerados até ali os melhores).

Finalmente, os resultados de uma outra experiência foram considerados realmente espantosos. Há um reflexo que ninguém consegue "disfarçar", o reflexo do susto. Quando ouvimos repentinamente um barulho ensurdecedor, ninguém consegue controlar intencionalmente os sinais físicos correspondentes à surpresa ou ao susto. Por outro lado, a intensidade do reflexo do susto indica a magnitude das emoções negativas, como o medo, a raiva, a repugnância. Em testes de laboratório, ninguém conseguira reprimir esse reflexo. Usaram o disparo de uma arma para a experiência, um barulho que assusta qualquer um, mesmo atiradores da polícia bem treinados. O monge praticou dois tipos de meditação durante o teste, a concentração unidireccional e o estado aberto. Segundo ele, durante o estado aberto, o som explosivo pareceu-lhe ser mais suave, como se estivesse distanciado das sensações, a ouvir o som muito ao longe. Durante esse estado, não houve um mínimo reflexo facial, embora as medições a nível fisiológico demonstrassem algumas alterações ligeiras. Durante a concentração unidireccional, em vez do salto usual, houve uma diminuição da frequência cardíaca, da tensão arterial e das outras medições... Por outro lado, os músculos do rosto reflectiram algumas das modificações típicas do reflexo do susto, embora muito ténues. Dado que quanto mais uma pessoa se assusta, maior tendência tem para sentir emoções perturbadoras, estes resultados são considerados realmente espantosos, pois sugerem "um nível de serenidade emocional impressionante".

Outra experiência interessante, foi "confrontar" o monge budista com duas pessoas de ideias muito diferentes, embora essas duas pessoas fossem de caracteres opostos entre si. Um deles era muito afável e tolerante, o outro era difícil e contundente. Nos dois casos, a fisiologia do monge conservou-se sem alterações, embora as suas expressões faciais fossem diferentes - o monge sorriu com mais frequência ao falar com a pessoa mais afável (evidentemente). Nesta caso, os dois sorriam e entusiasmaram-se de tal forma com a discussão que não queriam parar. No segundo caso, a pessoa "difícil" mostrava um grande nível de excitação emocional. No entanto, essa excitação foi diminuindo e no final disse: "não consegui entrar em confronto. Deparei sempre com a voz da razão e com sorrisos; é impressionante. Senti algo, semelhante a uma sombra ou uma aura, e não consegui ser agressivo". Ou seja, ao interagir com alguém que não reage à agressão, só há vantagens.

Estes resultados, considerados extraordinários, deram lugar a um novo projecto, que se concentraria sobre pessoas "extraordinárias": pessoas que emanam bondade e em que há uma transparência entre a vida pública e privada, pessoas altruístas e inspiradoras por não darem importância ao estatuto e à fama, pessoas com uma forte presença pessoal, que encoraja os outros. O objectivo destas pesquisas não é demonstrar que este monge, ou quais quer outras pessoas que venham a ser alvo de testes, são "extraordinários" em si mesmos, mas sim alargar as suposições que esta área de estudos faz acerca das possibilidades humanas. Ou seja, procurar as razões da felicidade e não as do sofriemnto. Um mundo aberto.

Livro consultado: Emoções Destrutivas, e como dominá-las, de Daniel Goleman, Temas e Debates


Para a colagem do gráfico acima usei como base duas reproduções das obras magníficas de http://www.vijali.net/

6 comentários:

ISABEL Mar disse...

Olá
Muito, muito interessante. Tenho que ler esse livro, porque o aperitivo que tu dás deixa-nos com «água na boca». Obrigada pela sugestão... Quem sabe, um dia numa das próximas vidas consiga chegar a esse estado de serenidade. Entretanto vou-me «sentando»

chumani disse...

ao mesmo tempo... está tudo aqui, trazemos o tesouro connosco, é fantástico

Anónimo disse...

Gostei muito do que li... Tenho vindo a investir na meditação e é extraordinário e benéfico para o universo. Acredito que até existem pessoas que sem ensinamentos conseguem desenvolver estados de meditação, pois já faz parte da sua essência.
Havendo sintonia com o universo os caminhos são de luz.
12 Março 2007

ubporto disse...

meditação é mesmo uma via de transformação :)

Anónimo disse...

fiquei fascinada com tanta seneridade.....queria tanto conhecer mais ..........

pazamor disse...

é um sonho para mim conseguir alguma paz mental especialmente neste momento que estou a atravesar em que nao consigo dormir. tenho tentado a meditacao mas o meu cerbero esta demasiado agitado! alguem me pode ajudar??