sexta-feira, julho 07, 2006

Uma oferenda dos sentidos


Em "Afrodite", Isabel Allende serve-nos os ingredientes dos prazeres da boca... e dos desejos da cama. Podemos provar uma carta de Anaïs Nin sobre a essência do erotismo ao mesmo que descobrimos o simbolismo dos frutos proibidos.

No México, uma pessoa "excitada" está "como água para chocolate"... e é esse o nome de uma história inesquecível (de Laura Esquivel), em que o amor é feito de uma espiritualidade mágica que reúne mel, amêndoas, piri-piri, pétalas de rosa e milho.

Vianne Rocher (Juliette Binoche no tal filme ) faz deslizar pimenta nas taças de chocolate quente – uma combinação que recua até aos Aztecas - ao mesmo tempo que instiga subtilmente os habitantes de uma pequena povoação francesa a (re)descobrir o picante da vida.

A minha história favorita sobre esta ligação entre a vida, a espiritualidade e a comida, talvez ainda seja A Festa de Babette. Nesta história, os aldeãos de uma localidade norueguesa afundam-se em histórias mesquinhas e passam completamente ao lado da plenitude e da abundância da vida. A arte de Babette - um desfile de descobertas sublimes para os sentidos - reconciliam-nos com a vida e com eles mesmos. A festa de Babette fá-los experienciar algo apenas vislumbrado nos hinos mas nunca vivido nos corações. Uma interrogação crucial para muitos de nós - sou realmente perdoado? - obtém finalmente uma resposta apaziguadora.

Não sei se este meu lado um tanto "epicúrico" se reconcilia verdadeiramente com o estoicismo da via Zen das Instruções para O Cozinheiro do Dogen. Na verdade isto faz-me lembrar a conjunção Júpiter-Saturno que tenho na casa V. E contudo, faz sentido. Para Bernie Glassman, preparar o menu é preparar o menu da vida, a "refeição suprema". Mas voltando a Dogen.

Depois de uma viagem marítima até à China, muito perigosa e atribulada, à procura de um verdadeiro mestre, Dogen foi forçado a permanecer no barco para ser inspeccionado pelos oficiais chineses. Um dia veio ao navio um respeitável monge chinês, o tenzo (cozinheiro) de um mosteiro. Impressionado pela presença do monge, Dogen fez-lhe a seguinte pergunta:

"Por que é que um venerável monge como o senhor desperdiça o tempo a trabalhar duramente como cozinheiro? Porque é que, em vez disso, não pratica meditação e estuda as palavras dos mestres?"

O cozinheiro desatou a rir. "Meu amigo estrangeiro, claramente, ainda não entendeu o que é a prática Zen. Quando tiver a oportunidade, venha visitar-me ao mosteiro e discutiremos estes assuntos mais completamente." Dogen foi realmente visitar o mestre cozinheiro. Mais tarde, de volta ao Japão, Dogen tornar-se-ia um célebre mestre Zen (fundador de uma das escolas Zen que persistiram até hoje, a escola Soto). Nunca esqueceu as lições do mestre cozinheiro. Escreveu que era dever do cozinheiro Zen preparar a melhor e mais sumptuosa refeição com os ingredientes que tivesse à sua disposição, mesmo que esses ingredientes fossem água e arroz. Preparar uma refeição é uma metáfora para a vida. Uma oferenda para os outros e para nós mesmos.