segunda-feira, dezembro 03, 2007

Conversas



O autocarro estava demorado. Disse que se eu a acompanhasse não se importava de ir a pé, que a conversar o tempo passava num instante. Disse que tinha ido arranjar o cabelo, que quando era nova era desleixada, não é que fosse propriamente desleixada, as pessoas diziam que tinha uma cara simpática e ela deixava-se levar por isso. Mas agora tinha mais cuidado. Uma mulher com o cabelo arranjado e os sapatos bonitos já estava bem. Insistiu em dar-me a morada da cabeleireira, na rotunda da Boavista. Por 22 euros tinha lavado, cortado e pintado o cabelo. As unhas foram 4 euros. Estava com pressa porque o pai estava à espera para almoçar. Quando chegasse a casa a primeira coisa que faria era pôr água a ferver, cozia uma batatinhas num instante. O pai era tudo o que lhe restava, o pai e um irmão deficiente que iria visitar logo à tarde. No Natal estariam só os três, era essa a família dela. A vida era só casa e trabalho. O pai tinha trabalhado imenso, tinha começado aos treze anos, e reformou-se aos 55, não por invalidez, mas por já ter os anos de trabalho para a reforma. Mas depois foi procurar um emprego e trabalhou até agora, quase aos 80. Só parou porque teve uma pneumonia. Ela não tinha amigos, nunca tivera amigos. No início, quando fora para a função pública, há catorze anos atrás, fora uma grande alegria, o trabalho era uma segunda família. Agora as coisas estavam diferentes. As pessoas eram invejosas, cada uma pensava só em si. E tinham de andar em cima dos professores, marcar logo falta, não era como antigamente. Ela era bipolar, essa doença de que se fala muito, mas olhe que há também uma professora a trabalhar que também é bipolar. Tinha de tomar sempre medicamentos, quando tudo estava bem, como agora, não havia problemas, mas em certas alturas era muito mau, tinha depressões, queria suicidar-se. Tinha de tomar sempre os medicamentos. Moro aqui. Nestes prédios, somos quase vizinhas.

2 comentários:

Anónimo disse...

Por vezes faz bem falar, falar...

Quando deparamos com situações destas... verificamos o quanto as pessoas se sentem sós, tristes, desiludidas...

Nestas alturas reflectimos que nem sempre os nossos possíveis "problemas" são tão complicados como parecem...

Radha

Rio de Luzes disse...

ouvir alguém dizer que nunca teve amigos é algo incrível