sexta-feira, setembro 29, 2006

A busca

Este tema pode parecer estranho, fora do tempo ou do espaço. Mas tive um sonho, há anos atrás. Sonhei com ele. Um espírito-animal, um espírito-guia. A minha confiança nele era total, e quanto mais pensava nessa confiança, mais ela se abria. Uma confiança e uma entrega como nunca senti em momento nenhum por nada nem ninguém. E esse sonho era mais real do que tudo o resto. Nós sempre sabemos que nesta realidade condicionada não há realmente nada nem ninguém que mereça a nossa entrega total e absoluta. Pois tudo está sujeito a mudar ou desaparecer. Mas há um ponto, um espaço de abandono e entrega, em que tudo o resto pode ficar para trás. E existe este amor.

"Primeiro de tudo, deves compreender que as nossas mentes não estão separadas da Mente, e, se leste alguns textos Ch’an (Zen), saberás que esta é a única realidade. Conhecida na sua quintessência como a Vacuidade ou o que vocês ingleses chamam Última Realidade, é simultaneamente o reino da forma, a matriz de míriade objectos, como Lao-Tzu o coloca. De maneira alguma devem ser vistos como separados. A Vacuidade e o mundo da forma não são dois! Não existe passagem de um mundo para o outro, só a transmutação do teu modo de percepção. A Mente é como um oceano ilimitado de luz, ou espaço infinito, do qual brota Bodhi, uma energia maravilhosa, que gera em nós a ânsia pelo Despertar. Mas para despertar, precisas de uma imensa provisão de sabedoria e compaixão. A Sabedoria inclui a percepção completa e directa do não-ego e da não existência de algo como um “ego próprio” em nenhum objecto. A Compaixão é o meio supremo para a destruição do apego a um sentido do ego ilusório.” (de John Blofeld, Bodhisattva of Compassion)

Uma das histórias mais maravilhosas sobre a busca e o caminho é a história de um Rato Muito Ocupado com o Trabalho dos Ratos, que é correr da esquerda para a direita, de um lado para o outro, à procura, a examinar, a apanhar, a trocar, a arrecadar e a comer Sementes. Mas este Rato Ocupado “ouvia um Rugido nas orelhas” e cismava sobre esse ruído e queria saber de onde ele vinha. Partiu um dia corajosamente à procura, ultrapassando a Orla de Todas as Coisas que os Ratos Conheciam, e encontrou um Guaxinim, que lhe explicou que o Rugido vinha do Rio... esta história vai para uma amiga que tem visões de águias :)

A história é realmente maravilhosa e fala de todos nós. No fundo, seria fácil continuarmos a ser um Rato Muito Ocupado a correr da esquerda para a direita, de um lado para o outro, à procura, a examinar, a apanhar, a trocar, a arrecadar e a comer Sementes. Mas há este zumbido.

Terra dourada

Não me canso de achar o artigo do Steve que mencionei antes, a explicar como se tornou vegan, muito bem estruturado e perfeitamente inspirador. Tão inspirador que estou mesmo mesmo a pensar em pelo menos fazer os 30 dias à experiência que ele propõe. A razão principal é claramente egocêntrica, é porque realmente estou convencida que não me dou bem com os lacticínios e os ovos. O leite propriamente dito, enjoei quando era criança e nunca mais tomei, mas acabo por tomar de outras formas. Naturalmente não tomo iogurtes, mas gosto de queijo e vou comendo alguns ovos. A manteiga (e as natas!) adoro, mas faz-me nitidamente mal. Já experimentei ser vegan há uns anos atrás, em Bruxelas, e nem me lembro porque não continuei. Na altura, houve um período de adaptação pois de repente descobrimos que há ovos por tudo quanto é sítio. E quando não tem gemas pode ter claras! O nosso passatempo ao princípio era ler todos os rótulos de supermercado até que descobrimos que havia os chamados "produits blancs", produtos sem ovos. Um grande alívio! Aqui em Portugal talvez seja mais complicado, vamos ver.

Fiquei curiosa também em relação aos bolos vegan, se realmente ficam bons sem ovos. Estou com vontade de me pôr ao forno e experimentar novas receitas. Neste fim-de-semana de curso, as receitas, em princípio, não contêm ovos e leite, mas vou dar algumas das que gosto (não podemos experimentá-las toadas!) e claro que algumas têm ovos, como o pudim de leite de soja, mas estou a pensar posteriormente fazer as minhas adaptações.

Quanto ao nome "terra dourada", é a de um site que encontrei, depois de receber uns artigo do meu amigo Wanderley, do Brasil (estou à espera que ele nos faça um relatório das andanças dele pelo vegetarianismo!!). Achei o blog muito bonito, e aqui está: http://www.terradourada.org/blog/. Claro que vou começar a procurar receitas vegan mais afincadamente, mas para já, mais um site muito lindinho: Guia Vegano.

Já agora dêm uma vista de olhos pelo site do Steve Pavlina, um "freak do desenvolvimento pessoal", como ele diz. O site dele recebe 1 milhão de visitas por mês!

quinta-feira, setembro 28, 2006

Falar da fala

A primeira coisa que se aprende quando começamos a praticar a via do Buda é que "a culpa nunca é do outro". O inimigo não está no exterior. Chogyam Trungpa classifica o nosso estado habitual como neurótico, e as nossas neuroses podem ter um padrão agressor ou vitimizador, mas são sempre neuroses, contracções, bloqueios, a expressão da nossa relação patológica com o mundo ou a realidade. Face a qualquer "agressão" a primeira pergunta é "de que maneira contribuí para esta situação?" E às vezes não vemos. Podemos passar a vida sem ver os nossos padrões. Podemos morrer sem os ver. Ontem no círculo de partilha o tema era a fala. Das dez acções prejudiciais, quatro envolvem a fala. Isto pode dar uma dimensão de até que ponto a prática a nível da fala é uma componente do caminho espiritual.

Mentir é a primeira deste grupo de acções nocivas verbais. Há muita espécie de discurso falso. Há as mentirinhas, os pequenos exageros, as pequenas inexactidões mais ou menos humorísticas, as falsidades ditas com o objectivo de auto-protecção ou protecção de outros, e finalmente as mentiras deliberadas, com uma intenção malévola.

O segundo tipo de discurso prejudicial é o uso da linguagem áspera ou agressiva. As palavras ásperas têm poder, magoam e por isso necessitamos de estar conscientes da energia e da nossa motivação por detrás delas. A intenção nesta "vigilância" não é a de suprimirmos ou bloquearmos os nossos sentimentos, mas de comunicar de uma forma que encoraje a cooperação em vez da divisão.

O terceiro tipo de discurso inábil é falar mal de um ausente e bisbilhotar. Como em tudo, é possível escolher o que dizer, as palavras não precisam simplesmente de sair das nossas bocas. Podemos também reflectir sobre por que é que os mexericos são tão visíveis. De uma certa forma, será que reafirmam e reforçam o sentido de eu? É interessante percebermos que o nosso discurso é igualmente e frequentemente uma espécie de mexerico sobre nós mesmos. É muito comum que o nosso discurso seja completamente auto-referencial e auto-centrado, bombardeamos os outros com conversas e histórias sobre "eu", o que eu fiz ou faço, o que eu penso, o que o outro me fez. Seria ainda mais interessante observarmos as nossas motivações nesse momento. Porquê esta necessidade de querer ser o centro das atenções? O poeta espanhol António Machado refere um antídoto para este hábito discursivo: "Se quiseres falar, primeiro faz uma pergunta, depois escuta."

A conversa frívola e inútil é a última da lista. O treino deste aspecto leva-nos a reflectir sobre quantas vezes dizemos coisas que não têm utilidade nenhuma. Numa conversa ou interacção social podemos tentar estar conscientes da intenção por detrás das palvras, prestar atenção ao processo, e sobretudo àquele pequeno momento antes das palavras saírem. Frequentemente podemos ver o quanto temos tendência para juntar coisas perfeitamente inúteis e frívolas à conversa. A fala é energia. Quando usamos sistematicamente palavras inúteis, abusamos dos outros e de nós mesmos.

Quando reflectimos sobre os sentimentos por detrás das palavras que usamos e da forma como comunicamos, podemos descobrir motivos que não imaginávamos. A tagarelice inútil, por exemplo, pode encobrir um sentimento de falta de valor próprio ou uma enorme necessidade de aprovação e de atenção.

A fala é um campo privilegiado para a atenção plena ao longo de todo o dia.


Do Acesso ao Insight (texto lido na sessão de ontem):

O critério para decidir aquilo que vale a pena ser dito:

[1] "No caso de palavras que o Tathagata sabe que não correspondem aos fatos, inverdades, não trazem nenhum benefício (ou não estão conectadas com o objetivo), antipáticas e desagradáveis para os outros, ele não as diz.

[2] "No caso de palavras que o Tathagata sabe que são fatuais, verdadeiras, não trazem nenhum benefício, antipáticas e desagradáveis para os outros, ele não as diz.

[3] "No caso de palavras que o Tathagata sabe que são fatuais, verdadeiras, benéficas, porém antipáticas e desagradáveis, ele possui o bom senso do momento correto de dizê-las.

[4] "No caso de palavras que o Tathagata sabe que não correspondem aos fatos, inverdades, não trazem nenhum benefício porém são simpáticas e agradáveis para os outros, ele não as diz.

[5] "No caso de palavras que o Tathagata sabe que são fatuais, verdadeiras, não trazem nenhum benefício, porém são simpáticas e agradáveis para os outros, ele não as diz.

[6] "No caso de palavras que o Tathagata sabe que são fatuais, verdadeiras, benéficas, e simpáticas e agradáveis para os outros, ele possui o bom senso do momento correto de dizê-las. Por que isso? Porque o Tathagata tem compaixão pelos seres vivos."



Tathagata este é o epíteto que o Buda empregava com mais freqüência para referir a si mesmo. Tatha significa assim ou tal; a segunda parte agata significa vir. No entanto a palavra gata significa ir. Há muito debate se o significado de tathagata é "assim ido (tatha-gata)" ou " assim vindo (tatha-agata)". O tathagata está totalmente presente ou ele se foi totalmente? Ele é completamente imanente ou transcendente? Talvez a melhor interpretação é que tathagata significa ambos, completamente imanente, compassivo, sintonizado em todas as coisas, completamente atento e ao mesmo tempo transcendente, dotado da sabedoria transcendente. (de Acesso ao Insight)

terça-feira, setembro 26, 2006

Da imitação à Independência

QuanYin“No princípio da nossa prática, somos principiantes, temos as nossas razões para estar aqui, estamos entusiasmados e abertos. Começamos a praticar e começamos por observar à nossa volta: o professor, a estátua de Buda no altar, as pessoas que nos dizem como nos prosternar e aquilo que devemos fazer, e imitamos os gestos delas. Nesta imitação, renunciamos à nossa maneira de fazer as coisas. Abandonamos mais ou menos as nossas ideias quanto à forma de sentar, de pensar, de andar e de nos prosternarmos. Por vezes resistimos, por vezes custa-nos renunciar a algumas coisas, e criamos oposição. Alguns imitam facilmente, outros têm dificuldade em fazê-lo. Depois há um momento – e também é um processo sobre o qual nada sabemos – em que renunciamos ao que sabemos. Tudo o que sabemos, é que imitamos. A certa altura também a isso devo renunciar. E renunciar às ideias sobre o que sou… Não sei quem sou…

Para poder renunciar a esta imitação, mais uma vez devemos não saber. Então, a nossa maneira de ser pode manifestar-se; então, a nossa verdadeira maneira de ser pode revelar-se. São as nossas jóias, cosidas nas nossas vestes.

O que é que significa ser independente? Ser livre? Ser livre das nossas ideias e imitações? Ser íntimo, estar aberto? No jargão Zen, diríamos ser um com, não estar separado. Pode parecer paradoxal, ser independente mas não estar separado; na realidade, não se pode ser independente se estamos separados: na separação, estamos muito dependentes uns dos outros.“


Amy Hollowell sensei

segunda-feira, setembro 25, 2006

Blogs e budismo


Dois artigos sobre arte budista, do Stephen Batchelor que merecem atenção e reflexão: Clapping with Stones e The New Aniconic Shrine at Bamiyan (adoro a maneira como ele vai à fonte - li recentemente um artigo de Batchelor sobre Shantideva que vou ter de traduzir!).

E o último da Sharon Salzberg, sobre letting go, fantástico! esta questão do letting go leva-me para algo que não cesso de observar, o quanto não abdicamos do nosso eu, seja ele lá o que achamos que é. Não abdicamos de ter razão, não abdicamos das nossas histórias, de querer mostrar o quanto somos especiais, ou diferentes, ou... seja o que for. Mesmo sabendo, claro, que a prática não é sobre ter razão, ganhar uma batalha, mostrar o quanto somos especiais e inteligentes e boas pessoas. Claro que a pergunta pode ser: mas como é que "largamos mão de"? Ajahn Sumedho expressa-o muito bem: "largamos mão de... ao largar mão de" (we let go by letting go"). Da mesma maneira que quando temos "uma brasa a queimar na mão a soltamos imediatamente"... mas parece que não sentimos o ego e as suas ficções como uma brasa a arder! :) Os cientistas ocidentais que se reúnem anualmente com o Dalai Lama, já tiveram oportunidade de o conhecer de uma forma próxima ao longos dos anos, e o que dizem dele é que, evidentemente, exprime emoções, como todos nós. Chora, ri, encoleriza-se. Mas não fica à volta dessa história. Larga-a.

Alimentar o corpo e o espírito


Andei a passear por um blog, the hip & zen pen, mais outro blog interessante! Estive a ler sobre a preocupação da autora em se tornar vegan e sobretudo a referência ao artigo do Steve Pavlina, em que ele afirma que ser vegetariano e vegan facilita a clareza mental e mesmo o quanto ele sentiu que depois de se tornar vegetariano e depois vegan, as qualidades de empatia e compaixão se desenvolveram. Finalmente, alguns conselhos que não resisto a citar:

Cozinhar com Amor
Demasiado frequentemente no mundo agitado de agora, temos tendência para comer à pressa e arranjar qualquer coisa para comer o mais rapidamente possível. Quando preparada com cuidado e atenção, a comida pode fornecer sustento físico e emocional. Antes de começar a cozinhar, lava e purifica as tuas mãos ritualmente, e clarifica a tua mente com três respirações profundas. Ao preparar a refeição, tem em mente aqueles para quem estás a cozinhar, e visualiza amor a brotar do coração, a passar pelos braços, para os alimentos. Serve-os com a devida cerimónia.


Neste fim-de-semana, numa conversa com a Tsering falámos de como o último oráculo de Nechung (sobre o qual me lembro de ter lido no site do governo tibetano no exílio), depois de ter sido anunciado como oráculo, teve de passar para um regime vegetariano rígido, para além de muita disciplina a vários níveis. Um tipo de trabalho como o que ele faz necessita de um veículo "purificado".

Já agora, e como neste fim-de-semana esteve cá a Tsering, um link para o BarraZen e para a Taça de Chá, ambos com comentários sobre a sessão de sábado!

quarta-feira, setembro 20, 2006

Tomar Um Chá Sem História

Mandei vir The Republic of Tea, um livro que fala de aliar negócios a... crescimento espiritual. Depois do livro, lindo e fantástico, só por si uma obra de atenção e carinho, fui espreitar o site, para ver se existia mesmo! :) E a República está lá, saída de inúmeros faxes e sonhos: se tiveres de a deixar em infusão numa única frase, qual é a filosofia da República do Chá? "Mostrar, através da metáfora do chá, a leveza de tomar a vida sorvo a sorvo em vez de gole a gole." A vida do chá é a vida do momento. Temos apenas Agora, e sorvêmo-lo nas nossas chávenas.

O que é fantástico também no livro, é a vivência de todo o processo criativo - em que a criação não é um objecto, lá fora, no exterior, mas algo que já está, e em que a vida interior do "objecto" se exprime através das mãos do criador.

O projecto da República do Chá é, nem mais nem menos, sobre transformação interior, pois ao mudarmos realmente, mudamos o mundo. Personifica a expressão de Chuang Tzu "o tempo sem história" - em que as pessoas são bondosas umas com as outras, mas não chamam a isso "ser bondoso uns para com os outros", em que as pessoas cuidam naturalmente umas das outras e do mundo em redor, sem chamar a isso "ser atencioso e responsável"! Um tempo sem história, é uma era que não deixa traços. Já que nada de "errado" acontece, ninguém sente a necessidade de fazer história disso. É um tempo vivido e não anotado.

O que me leva à sensação de algo que nunca realmente deixámos. Mas no dia-a-dia, fazemos tudo para nos distrairmos e esquecer. E esquecemos mesmo. E então procuramos mais qualquer coisa, lá fora. E estamos sempre à espera de momentos especiais, como se tivéssemos de os procurar. É notável que, mesmo sabendo que a procura é interior (embora isto do interior seja mais uma forma de dizer, pois aponta para um dualismo), continuamos sempre à procura no exterior... até que não procuramos, damo-nos conta que sempre estamos e somos :)

gente sem patente contra-ataca











O "programa das festividades" da gente sem patente no fim-de-semana de 5 de Outubro em diante, talvez se veja melhor no blog da Casa Viva. Para além de tudo o mais, há a apresentação do projecto Raízes, loja livre (acho fantástico!), manjares vegetarianos, conversas sobre isto e aquilo, cinema, concerto hip hop, e no final, em inconstância permanente (nós diríamos, em impermanência constante) pode-se ler "graffiti em tempo real com rc, sketxz e natz" (sketxz, novamente, é o Tomás, não sei onde farão os graffiti, na verdade ainda não vi a casa!) para além das fotos que aparecem no blog.

segunda-feira, setembro 18, 2006

Copyriot











Cliquem no programa de http://www.copyriot.azine.org/. O que é que aparece em primeiro lugar? Exposição de fotografia e design gráfico de Tomás Antunes. O meu filhote vai ter a primeira exposição dele! Bem, o que é que posso dizer? estou super babada! Aproveito para pôr o link para alguns dos trabalhos dele!
Para além disso, esta coisa do Copyriot parece muito gira, não é?

quinta-feira, setembro 14, 2006

Abertura

Certos momentos de abertura e de insight parecem acontecer "por acaso". Ou, em terminologia cristã, pela "graça".

Hui Neng, o sexto patriarca do budismo Cha'n chinês, e fundador da escola da Iluminação Súbita, teve um momento de realização profunda ao ouvir, "por acaso", a recitação de alguns versos do Sutra do Diamante: "Quando a tua mente não se agarra a nada neste mundo, atinges a verdade de Buda". E Hakuin, que já referi, passou por muitas experiências de abertura, por exemplo, ao ler um poema, até que a iluminação mais completa surgiu ao ler o Sutra do Lótus.

Mais recentemente, Yamada Koun Roshi teve o seu despertar ao ler estes versos de Dogen:

Vi claramente
que a Mente não é nada mais
do que montanhas, e rios
e a grande, extensa terra
o sol e a lua e as estrelas

Não quer dizer que estes "despertares súbitos" só acontecem ao ler ou ouvir poemas! As histórias Zen são no entanto ricas no relato destes momentos de verdade. Mas também já ouvimos histórias de momentos de revelação pelo simples contacto com a natureza, um som, uma imagem.

Noutros casos, estes momentos de abertura parecem surgir na sequência de uma prática e de um esforço gradual e intenso. A freira católica e mestre Zen Elaine MacInnes, aluna de Yamada Koun Roshi, relata o seu despertar, integrado na prática intensa do koan MU, durante um retiro: " E então aconteceu. De repente, a concha dura do meu âmago abriu-se e o seu maravilhoso conteúdo espalhou-se por todos os poros do meu corpo. Foi para além dos limites corporais e a Elaine desapareceu. Não havia barreiras. Que bonito, limpo e puro... pertencente, aconchegante, em-casa. Que perfeito! O meu coração explodia de gratidão."

E depois, pensamos que isto só acontece aos outros. Que talvez, numa das nossas próximas ou menos próxima existências... e esquecemo-nos do ensinamento fundamental, que só temos o agora. Recebi este "relatório" ainda ontem:

"Nestes últimos dias, quando tive oportunidade, pratiquei a minha meditação e lancei no vazio a pergunta que tinha formalizado "Qual o meu objectivo de vida?" não tive resposta! e no dia seguinte, quando acordava, tinha uma dor de cabeça como se estivesse no dia a dia a concentrar-me ou a trabalhar em algo com minha responsabilidade. A única coisa que tinha realmente feito tinha sido traduzir o texto que me forneceste da "True Meditation".

Ontem à noite preparei o meu local de meditação em frente da aparelhagem com os auscultadores preparados e o CD n.º1 colocado em posição. Antes fiz as prosternações, fiz as respirações de limpeza, procedi à contagem das respirações versus momento de calma, escutando sem julgar. Em seguida, associei as três fases da respiração ao OM HA HUM e larguei estas âncoras, deixei-me navegar no vazio. A sensação estava óptima pois não tinha impedimentos significativos a importunar-me, e mesmo os que apareciam não me estavam a perturbar. Eu sentia-os, mas continuava a mergulhar no vazio e a navegar sem perder o fio à meada. Então deixei-me estar, mesmo sabendo que ainda não tinha ligado a aparelhagem para ouvir o CD. Lancei então outra vez a pergunta e fiquei à espera da resposta. E ouvi-me a fazer duas perguntas: "Afinal o que estou a aqui fazer?" e "Quem sou eu?"

Naquele momento não dei a mínima importância ao assunto, liguei a aparelhagem e fui ouvir o CD. Comecei então a ouvir o que o Adyashanti dizia e a perceber que afinal o que eu estava a fazer era muito próximo do que ele estava a falar acerca da True Meditation. Colocar-me numa posição de inocência e simplesmente ouvir o que a minha mente tinha para dizer e não lutar com ela pois seria uma luta perdida. Sim, sinto também que todos os mecanismos que efectuei antes de largar a âncora, e que existem como práticas milenares, se aproximam mais do conceito de concentração. Já me tinha questionado qual o esquema que deveria adoptar, pois já tinha lido também e experimentado várias técnicas e entendes, não sabia como calenderalizá-las e esquematizá-las. Fiquei contente por o ouvir dizer que a verdadeira meditação era depois, quando se largava a âncora e se tentava ouvir e investigar o que estava para além disso. E que era importante naquele momento não levar connosco preconceitos e entrar na true meditation de uma forma inocente e desprovida de expectativas, colocando uma simples questão "Quem sou eu?".

Eu tinha preconceitos em relação à questão "Quem sou eu?" por isso naquele momento não liguei nenhuma à resposta que tinha ouvido em forma de outras duas perguntas, até hoje de manhã, quando fiz a conecção com outra situação que me andava a ocorrer com a minha filhota. Ela nos últimos dias perguntava-me continuamente o seguinte: Mamã, quem é o papá? Ao que eu respondia: é o Francisco*! e de seguida outra pergunta: Mamã e tu quem és? Ao que eu respondia: sou a Mariana*! e eu em seguida perguntava-lhe a ela: e tu quem és? e ela respondia-me com simplicidade e prontidão: Não sei!

Bom, ao ligar as respostas/perguntas que tive ontem durante a meditação a esta situação em particular, dei-me conta que essa era a verdadeira questão de fundo e essa era a verdadeira resposta: "Quem sou eu?” Não sei. Pura e simplesmente.

Isto caiu-me em cima de uma maneira tão profunda e ao mesmo tempo tão simples e tão verdadeira, que ainda estou a tremer de emoção. Pois é muito interessante ouvir os outros contarem as suas experiências mas não há nada como senti-las e experienciá-las, é um verdadeiro choque! Realmente se eu não souber quem sou, como poderei saber qual o meu objectivo de vida e ter a pretensão de poder ajudar os outros!"


* Os nomes foram evidentemente alterados. Gráficos (mixed media) de Misty Mawn

quarta-feira, setembro 13, 2006

Um comboio possui a natureza de Buda? Uh! Uh!





No retiro falou-se de "secura" e "irradiação". Secura, como um aspecto da sabedoria transcendental, do lado masculino, da vacuidade. Irradiação como uma manifestação da compaixão, do lado feminino, da forma, da manifestação da vacuidade no relativo. Numa fase "pós-despertar", podemos concentrarmo-nos mais numa das facetas: ou o lado "seco", ou o lado "irradiante". No lado irradiante, temos as pessoas com muito carisma, professores que só pela sua presença tocam nos outros. No lado seco, temos o fulano da tabacaria da esquina, que ninguém reconhece, mas tem todas as qualidades de um ser iluminado... só que é discreto.

Dito de outra maneira: não há diferença entre forma e vacuidade. Algumas pessoas vão concentrar-se e expressar-se mais numa ou noutra vertente.

Para quem não conhece, o título é uma alusão ao célebre koan "Um cão possui natureza de Buda? MU!" - no retiro ouvíamos o comboio!
Este apontamento é um pequeno presente para um irmão do Dharma que hoje faz anos.

Não sou nostálgica


Um dia destes andei pela baixa do Porto, e nas minhas deambulações fui ter à zona de S. Lázaro. Caminhava no passeio mesmo ao lado do jardim, virei a cabeça naturalmente para olhar para o jardim, voltei a olhar em frente, e imediatamente voltei a virar a cabeça, pois achei que havia qualquer coisa de estranho. E segundos depois, dei-me conta do que havia de estranho naquele jardim. Estava cheio de gente! Estava vivo! havia uma luz fantástica, havia a criancinha no carrinho de bebé a tomar o iogurte, os namorados a passear, os mais velhos sentados um pouco por todo o lado. É incrível, não é? É que depois descemos para a Praça e temos o antes e depois de Siza Vieira. Já não falo das florzinhas, e das árvores, e dos bancos, e da calçada portuguesa. Falo das pessoas! Onde estão as pessoas? Só temos direito a isto? Ao cinzento? Será que nos habituamos e deixamos de ligar? E eu que não sou nostálgica!



Fotos da Praça, enviadas por email pela minha sobrinha.

quarta-feira, setembro 06, 2006

Ver as coisas

"Não vemos as coisas como elas são. Vemos as coisas como somos."
- Anaïs Nin (mais uma pisciana!)
Talvez isso não nos impeça de procurar ver.

domingo, setembro 03, 2006

Tema indiano

Tivemos mais um fim-de-semana de cozinha vegetariana na UBP. E também tivemos a Xana, a aluna mais novinha, mas muito prendada. Interessou-se por tudo, mas sobretudo pela massa das chamuças.

O tema principal desta vez eram as leguminosas.

Alguns conselhos: as leguminosas devem ser cozinhadas com algas, que facilitam a digestão e a assimilação. Na combinação com as algas, no caso da hiziki e wakamé, junta-se a alga já cozida ou estufada, depois da leguminosa também já cozida; ou então, no caso da kombu, junta-se no princípio da cozedura. Quando cozinhar lentilhas, pode juntar hiziki ou wakamé apenas demolhadas, pois estas como cozem rapidamente não terão tempo de se desfazer (como aconteceria num refogado de feijões).

Um regra básica e fundamental a observar, é a adição de sal, que só se deve processar nos minutos finais da cozedura (o sal tem um efeito contractivo e impede que a leguminosa coza inteiramente).

Algumas receitas:

Caril de Lentilhas

Ingredientes (4/6 pessoas)

30 gr. de manteiga
3 cebolas picadas
2 dentes de alho
1 colher de sopa de gengibre ralado
2 a 4 pimentos pimentos verdes picados
1 colher de café de curcuma
250 gr. de lentilhas vermelhas lavadas
1,5 l de água, sal
50 gr. de noz de coco
Sumo de 1 limão
1 pimento verde às rodelas finas

Colocar a manteiga na caçarola e juntar a cebola, o alho, o gengibre, os pimentos, e deixe cozer um pouco. Juntar a curcuma e as lentilhas e acrescentar 1 minuto depois a água. Temperar de sal, e deixar ferver em lume brando cerca de 30 min. Juntar o creme de noz de coco e depois o sumo de limão. Deixar estar mais 10 min. Decorar com as rodelas de pimento ou coentros antes de servir.


Chamuças

Recheio:
ervilhas
vagens cortadas
cenouras cortadas aos cubos
batatas cortadas aos cubos
1 ramo de coentros
cebola picada
cominhos
mostarda preta em grãos
caril, caril pré-cozinhado
extracto de legumes


Preparam-se os legumes e levam-se a cozer. Escorrem-se da água.
Leva-se um tacho ao lume com óleo, os cominhos, a mostarda em grãos, o extracto de legumes, os condimentos de caril ou caril pré-cozinhado.
Mistura-se a cebola picada e deixa-se estufar. Junta-se no final os legumes e os coentros. Deixa-se arrefecer.

Entretanto prepara-se a massa tenra. Para 500 gr. de farinha junta-se 200 gr. de margarina à temperatura ambiente. Água q.b. (1 copo).

Servimos com arroz e salada de tomate e pepino com iogurte.

sexta-feira, setembro 01, 2006

Antes e Depois

Isto de retiros, iluminação, meditação, insights, é muito bonito, mas onde tudo se testa é quando se põe a mão na massa. E em Braga, estão literalmente a pôr a mão na massa... de trolha. O projecto Habitat de Braga está a construir e reconstruir casas desde 1996 com a ajuda de voluntários. O João Cruz, relações públicas e coordenador dos voluntários deste projecto, enviou-me umas fotos muito elucidativas quanto ao antes e depois da última casa que reconstruíram. Para quem está interessado em contribuir de alguma forma, o email da Associação Humanitária Habitat é volunteerpt@yahoo.com e os telefones: 253 204 288 e 916 932 744