terça-feira, fevereiro 05, 2008

Ainda sobre o "Eu, vegetariano"

Ainda a propósito da reportagem Sic/Visão de Janeiro:


Viva,
No contexto do programa 100% vegetal que foi transmitido ontem pela Sic, hoje de manhã tomei a iniciativa de enviar uma mensagem à médica que acompanhou o jornalista-cobaia, à equipa de jornalistas da SIC e a mesma com conhecimento à Associação Vegetariana Portuguesa. Entretanto, vendo a quantidade de iniciativas neste sentido, decidi partilhar a minha carta com os outros que também viram naquele programa um exercício de pseudo-jornalismo sensacionalista caçador de audiências que se aproveitou de um preconceito antigo.
A saber:
- O Centro Vegetariano
- A Associação Pelos Animais

A quem desejar manifestar a sua opinião, ficam os contactos:

Dr.ª Isabel do Carmo, Hospital de Stª Maria, Equipa de Endocrinologia - hospitaldesantamari a@hsm.min- saude.pt
Equipa de Reportagem: Director (Alcides Vieira) e Jornalista (Raquel Marinho) - atendimento@ sic.pt

Deixo abaixo a minha mensagem, entretanto corrigida depois de ter acesso às análises mais detalhadas feitas ao 'cobaia'. Um abraço verde, estaladiço, cozido a vapor, que até pode ter falta de B12 (não tem) mas não se deixa levar por preconceitos.

Rita

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Exm.ªs Sr.s,

Envio este email ao cuidado da Dr.ª Isabel do Carmo de Hospital de Stª Maria, dos responsáveis pelo programa Grande Reportagem da Sic e da Associação Vegetariana Portuguesa.

Escrevo-vos na qualidade de Bióloga, e bastante desagradada com o que vi na Grande Reportagem 100% Vegetal, ontem, Domingo dia 13 de Janeiro. A médica nutricionista que acompanhou o percurso do jornalista prestou um serviço de desinformação que, saído da boca de um representante da classe médica no horário nobre, contribuiu para convencer ainda mais a sociedade portuguesa a não ter uma alimentação variada.

Tendo visto o programa com atenção, fiquei com a clara sensação que a informação foi apresentada de maneira tendenciosa.

Os resultados das análises apresentados no final do programa referiam-se a níveis de nutrientes como a vitamina B12, o Ferro e o Zinco. Não foi feito nenhum exame ao Cálcio, que tem tendência a ser maior numa dieta vegetariana devido ao aumento de ingestão de vegetais de folha verde que, com excepção dos espinafres, são os alimentos com maior quantidade de Cálcio biodisponível. Sendo crença comum (mas não necessariamente verdade) que o Cálcio é um nutriente muito importante,
a não inclusão de análises ao Cálcio no programa vegetariano parece-me tendenciosa. A apresentação em particular dos níveis de nutrientes que desceram e não dos parâmetros que melhoraram (com excepção do colesterol) também foi tendenciosa: não é preciso ser médico para pegar na folha das últimas análises que fizémos e ver que os parâmetros que são normalmente usados como indicadores do nosso estado de saúde não foram mencionados (passo a citar: tipos de eritrócitos, tipos de linfócitos que caracterizam o sistema imunitário, triglicéridos, análise bioquímica e colorimétrica da urina).

Além disso, tenho a apontar que como nutricionista, a médica escolhida para o acompanhamento devia estar informada de que mandar analisar os níveis de B12 só indica quanta B12 ingerimos nos dias anteriores e não o estado do nosso corpo em relação a esse nutriente: o nosso fígado tem capacidade de armazenar vitamina B12 em quantidades que dão para
nos sustentar vários anos, e os parâmetros que deve ser mandado analisar para avaliar se temos carência de B12 são os que caracterizam o estado do fígado, o tamanho e a velocidade de sedimentação das hemácias e dos neutrófilos (um tipo de glóbulos brancos), que na falta de B12 são produzidos com um tamanho anormalmente grande e geram uma doença chamada anemia megaloblástica. outro método ainda mais fiável de detectar a falta de vitamina B12 no organismo é a análise aos
parâmetros do fígado: dosagem de ácido metilmalónico (MMA) e homocisteína (Hcy), enzimas do fígado que dependem directamente da B12. Níveis baixos de B12 no sangue podem simplesmente significar que bebemos muita água e ela já saiu sob a forma de urina.

Da mesma maneira, para avaliar se há carência de Ferro manda-se analisar o nível de hemácias (glóbulos vermelhos) e fazer uma prova de esforço que deve ser comparada com uma prova de esforço feita antes do início do regime vegetariano. A falta de Ferro provocaria uma menor capacidade de fixação de oxigénio pelas hemácias e uma performance muito inferior na prova de esforço. Apesar destes parãmetros não terem sido mencionados, como nutricionista, a médica que participou na grande reportagem devia ter explicado ao jornalista-cobaia que basta incluir beterraba na dieta para que os níveis de Ferro se mantenham óptimos.

Espero que tenham em conta a minha opinião e que não surjam mais reportagens que, apesar de apresentadas cheias de boas intenções, depois revelam-se destinadas a justificar preconceitos já existentes.
Sem mais de momento,

Ana Rita Varela
Bióloga
Vegetariana desde Setembro de 1997, e com análises dentro dos parâmetros considerados "normais"

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CORRECÇÃO POSTERIOR, colocada no site do artigo "Eu, Vegetariano" (http://aeiou. visao.pt/ Actualidade/ Sociedade/ Pages/vegetarian o.aspx):
Acabei de verificar na infografia que os níveis de homocisteína estavam bem melhores depois da dieta vegetariana do que antes.... afinal o senhor ganhou maior capacidade de armazenar B12 no fígado e tem-o a funcionar melhor. A Sr.ª Dr.ª nutricionista não estudou isto ou não se actaliza desde que tirou o curso?

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