segunda-feira, dezembro 03, 2007

As nossas penas


Usei uma meditação com arquétipos astrológicos para tentar ir mais a fundo numa determinada questão pessoal (e interior) e durante essa meditação, uma meditação guiada ou auto-guiada, oferecemos à figura arquetípica um presente. O presente que imediatamente vi foi uma pena. O resto do da “viagem” levou-me a algo que poderia chamar de uma regressão, mas que poderia bem ter outra explicação, uma espécie de encenação simbólica de padrões por sua vez simbolizados pelos aspectos planetários do meu tema. A encenação passava-se numa ilha, um pouco como a ilha do Paul et Virginie (pois, já sei, esta série é muito antiga :). Mas também era a viagem para a ilha, de barco, a dor, a dor da escravidão, de estar submetida a alguém, a dor da separação dos que amamos, o medo. Também o medo de algures não ser o escravo mas o traficante de escravos. Para além da dor e do medo, inesperadamente (ou não), descobri a raiva e o ódio, o desejo de libertação.
Embora tenha compreendido as várias etapas desta “viagem interior”, a imagem de oferecer uma pena foi intrigante, não conseguia perceber o que poderia significar. Geralmente para estas clarificações consulto o Dictionnaire des Symboles, de Jean Chevalier e Alain Cheerbrant (pulicado em Portugal pela Teorema) e assim fiquei a saber que a pena, no xamanismo, está associada aos rituais de ascensão e de clarividência e adivinhação. Por outro lado, em inúmeras civilizações, está ligada ao simbolismo lunar e representa o crescimento da vegetação (ver, por exemplo, a associação penas-cabelos-fertilidade ligada ao simbolismo ascensional nos índios norte-americanos). Contudo, embora achasse muito bonito, pessoalmente não me disse nada. E passaram umas duas semanas.
Estava recentemente a reler After the Ecstasy, the Laundry, de Jack Kornfield, pegando num excerto aqui e ali. Reli também a história de Ícaro e Dédalo, embora estivesse farta de a conhecer. Dédalo era o mais inteligente dos artistas e artesãos da época, mas depois de construir o famoso labirinto a pedido do rei Minos, caiu em desfavor e este aprisionou-o com o filho Ícaro no labirinto. Dédalo arranjou uma forma de escapar, construindo asas com as penas de gaivotas que pacientemente acumularam, e colando-as com a cera das velas. Quando tudo estava pronto, Dédalo avisou o filho para não voar demasiado alto, pois o sol poderia derreter a cera. Contudo, inebriado pelo voo, Ícaro esqueceu os conselhos do pai e imaginou que poderia tocar o céu. Mas rapidamente o calor derreteu a cera e ele caiu como uma folha no mar e afogou-se, deixando algumas penas na água.

Nesta altura da leitura houve um click, a imagem destas penas a flutuar na água. E percebi que o que tinha oferecido fora a minha humildade (ou o meu orgulho).

1 comentário:

Marcelo Novaes disse...

Chumani,

Traficante ou traficada, agora és uma pena-pássaro azul bem soprada...

Navegue no vento com essa gentileza e graça.


Beijos,

Marcelo Novaes