quarta-feira, junho 28, 2006

Amigos, luzes e transmutações



Não estava mesmo nos meus planos mencionar (mais uma vez!) o blog da Evelyn, mas o último artigo dela não pode mesmo ser ignorado. E quem não sente que os verdadeiros amigos são cada vez mais raros... e valiosos? Além disso recorda-nos tudo o que há de saudável e refrescante ao relacionar-nos com o meio imediato.

Tenho ainda de preparar a sessão de hoje na UBP sobre as cinco sabedorias. Na tradição tântrica a energia é categorizada em cinco qualidades básicas ou cinco famílias de Buda. Cada família de Buda tem uma emoção associada a si que é transmutada num aspecto particular da sabedoria ou aspecto da mente iluminada. Às famílias de Buda também se associam cores, elementos, predisposições, direcções, estações... qualquer aspecto do mundo fenomenal. Esta tradição foi ensinada por Chögyam Trungpa e continuada por alguns dos seus discípulos. O que mais me interessa neste ensinamento é a compreensão de que aquilo que consideramos como uma emoção "negativa" mais não é que uma manifestação da sabedoria. Há um texto magnífico sobre este tema da tradição tibetana no livro Healing with Form, Energy and Light, de Tenzin Wangyal Rinpoché:

Para cada um de nós tudo começa com o espaço primordial, a Grande Mãe onde todas as coisas existem, e em que todas as coisas se dissolvem. Neste espaço há movimento. O que o causa, ninguém sabe. Os ensinamentos apenas dizem: “Os ventos do karma moveram-se”. Este é o movimento do nível mais subtil do lung ou prana, a energia que impregna o espaço infinito, sem características ou divisões. Unido indissoluvelmente ao fluxo de prana está o fluxo da consciência (awareness) primordial, pura e sem identidade. Nesta consciência pura surgem cinco luzes.

As cinco luzes são aspectos da luminosidade primordial. Estas são as cinco luzes puras, o nível mais subtil dos elementos. Falamos sobre a luz e a cor das cinco luzes puras, mas isto é simbólico. As cinco luzes puras são mais subtis do que a luz visível, mais subtis do que tudo o que é percepcionado pelos olhos, mais subtil do que qualquer energia medida ou avaliada por qualquer meio. São as energias de que todas as outras energias, incluindo a luz visível, surgem.

A luz branca é o espaço, a verde é o ar, a vermelha é o fogo, a azul é a água e a amarela é a terra. Estes são os cinco aspectos da luminosidade pura, as energias de arco-íris da esfera da existência.

Quando as cinco luzes são vividas dualisticamente, enquanto objectos para um sujeito que as percepciona, tornam-se mais substanciais. As cinco luzes não se tornam mais grosseiras, mas através da distorção da visão dualística, o indivíduo vê-as como mais grosseiras. Como os elementos se tornam mais substanciais, são mais discriminados, e através das suas interacções manifestam-se enquanto fenómenos, incluindo o sujeito e os objectos que formam toda a experiência dualística.

As cinco luzes tornam-se os elementos naturais, em bruto, e cinco categorias inclusivas de qualidades pertencentes à realidade externa. Tornam-se as diferentes dimensões da existência que são os vários reinos nos quais seres com ou sem forma existem. Como que endurecem e formam os órgãos, os cinco ramos do corpo, os cinco dedos de cada mão, os cinco dedos de cada pé, os cinco sentidos, e o campo dos cinco sentidos. E se continuamos na ilusão, as cinco luzes tornam-se as cinco emoções negativas ou as cinco sabedorias e as cinco famílias de Buda se reconhecermos a sua pureza.

Isto não é uma história sobre uma criação que aconteceu num passado distante. É sobre como vivemos enquanto seres e sobre a ignorância e a iluminação. Se as cinco luzes são reconhecidas como não-dualistas, manifestações incessantes da pura base da existência, o nirvana começa. A consciência (awareness) não se torna ignorante ou iluminada – permanece não dual e pura. Mas as qualidades que nela surgem podem ser vistas como positivas ou negativas. Se a consciência integra e identifica as qualidades puras, um Buda surge; se se identifica com as impuras, um ser samsárico surge. Neste preciso momento, agora, aqui, o processo continua.

Dependendo do facto de integrarmos a nossa experiência imediata com consciência não dual ou de nos agarramos à falsa separação de nós mesmos enquanto sujeitos que experienciam objectos e entidades externas, estaremos num estado natural não dual ou numa mente ignorante.


Mas como lidar com as emoções, com transmutá-las na sua sabedoria inerente? Com muito amor! Irini Rockwell estabelece um "percurso" para este processo:

1. Familiaridade – familiarizarmo-nos com os nossos padrões habituais
2. Adaptação – ao acolhermos as nossas tendências habituais, ao travarmos amizade com elas, não vamos odiar-nos por elas – vamos ver e aceitar a nossa energia
3. Calor – deixarmo-nos infundir pela qualidade de calor de Maitri – ser gentis para connosco
4. Coragem – desenvolver a coragem – podemos tocar os nossos pontos vulneráveis e continuar abertos
5. Exequibilidade/Possibilidade – as nossas experiências na vida podem ser transformadas. Quando encontramos uma circunstância não desejada, não desistimos. Em vez de contrair e fechar, abrimo-nos para a situação. Vêmo-la não como uma crise mas como uma oportunidade.
6. Incondicionalidade – a qualidade de amizade para connosco é incondicional. Maitri: aceitamos todos os aspectos da nossa experiência, sã ou confusa. Aceitamos as nossas visões confusas, a nossa pequena mente, as facetas de nós mesmos de que gostamos menos.

"Com a atenção e a tomada de consciência, maitri torna a transmutação possível. É a chave, o catalizador para uma mudança fundamental em nós mesmos. A premissa básica da transmutação é que a sanidade e a neurose não estão separadas. São diferentes qualidades de uma mesma natureza, indivisível e essencial."