A viagem foi marcada por "largar". Comecei por ter de largar coisas como champô, pasta de dentes, perfume, corta-unhas, comprimidos de ferro, etc. por causa das tais medidas anti-terroristas nos aeroportos. E depois, largar pensamentos menos positivos. Já repararam como a maior parte dos "filmes de antecipação" que dirigimos na nossa cabeça, simplesmente não acontecem? O voo estava atrasadíssimo. Tinha o tempo muito contado para chegar ao Instituto. Mas, claro, como frequentemente acontece, as coisas correram perfeitamente, como se houvesse um relógio universal a tomar conta de todas das nossas acções, encadeando-as naturalmente umas nas outras. Tão bem controladas, que o Sagara e eu acabámos por chegar no mesmo comboio ao Instituto, embora não tivéssemos planeado nada e ele já estivesse em Nova Iorque há uns dias.
Atravessar Nova Iorque rapidamente até à Central Station para apanhar o comboio para Garrison (o Instituto fica exactamente em frente de West Point!) teve o sabor de viver um mito - as imagens que temos desta cidade estão inscritas nas centenas ou milhares de filmes que já vimos, e passar por estas ruas tem um quê de irreal. O taxista tinha todo o ar de um taxista nova-iorquino: era chinês, trazia um lenço vermelho na cabeça à maneira hip hop, e mascava ininterruptamente pastilha elástica, dando estalidos. Chegar à Central Station foi largar um desses mitos: há aquela cena em que o Bruce Willis não apanha o mau da fita porque um carrinho de bebé (com o bebé dentro!) começa a deslizar pelas escadarias e ele tem, claro, de o salvar. O carrinho começa a deslizar dramaticamente em câmara lenta, e a escadaria parece monumental e nunca mais acabar. Pois bem, não é assim. A escadaria não é assim tão monumental.
As condições eram perfeitas. A temperatura era perfeita. A comida era perfeita. O lugar, as pessoas. Tudo era perfeito. Não tinha muito a ideia que os americanos (pelos menos aqueles que estavam ali, e eram uns 170) eram tão organizados socialmente. Existem regras, eles cumprem-nas, também só assim o retiro se passaria de uma forma tão suave. O silêncio não foi quebrado, nem aquando dos alertas de incêndio em que tivemos de vir cá para fora, a chover (um episódio hilariante). Nunca como aqui senti as regras como parte de um ritual estabelecido para o benefício de todos.
Senti o silêncio como um grande presente. Um presente que oferecíamos uns aos outros. O silêncio é a possibilidade de poder acolher tudo o que está. Todos os sons, todos os movimentos. Todas as danças da mente. Podemos acolher o barulho da casa, o som dos pássaros e dos insectos, o apitar dos comboios que passam ao longo do rio Hudson. E sentir como estamos ligados a tudo.
mais fotos em http://www.flickr.com/photos/chumani/
4 comentários:
Não consigo perceber o significado da mensagem "Resistence is futile". Hugo
sim, eu sei, foi bastante "intrigante", mesmo para nós, lá, mas falou-se muito de resitência... sobretudo ao sofrimento. Grande parte da nossa dor parece provir simplesmente da nossa resistência à própria dor. Sofremos antecipadamente, e sofremos duplamente, ou triplamente, por termos tanto medo de sofrer.
... e também, segundo percebi, trata-se muito simplesmente da resistência "ás coisas como elas são".... e isto dá pano para mangas
E a resistência a felicidade!
Há pessoas que simplesmente sentem medo de serem felizes...
O ser humano é muito complexo!
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