sábado, agosto 26, 2006

Ferramentas

Um dos aspectos bonitos do retiro foi a presença dos "outros", esses outros, americanos, que se revelaram uma presença sincera, discreta, e inspiradora. Eles rezam antes de comer (em silêncio!), fazem uma reverência virados para o lugar onde se vão sentar, à maneira do Zen, e fazem-no notoriamente pensando no que estão a fazer. Não arrastam as cadeiras, tentam não fazer barulho com as portas e ao andar nas escadas e nos corredores. Vê-se que se preocupam em fazer as coisas "certo". Os pequenos gestos, as filas para as refeições, ou para pôr a louça na copa, tudo parece simples e ao mesmo tempo parte de uma coreografia.

Ao princípio a informação era tanta, que não só me perguntava se seria possível digerir alguma coisa como também se conseguiria integrar fosse o que fosse.

Geralmente durante satsang o Adya falava um pouco e depois respondia a perguntas. O ensino dele assenta fundamentalmente em duas vertentes: meditação (deixar as coisas como são - uma tradução desajeitada de "let everything be as it is) e investigação.

Uma das ferramentas que achei mais interessantes foi a de procurar qual a nossa crença fundamental, a que sustenta todas as outras, o que em inglês se chama core belief. Cada um pode ter uma crença muito pessoal, embora de uma maneira geral se possam resumir a coisas como: não sou digno, fui magoado, sou demasiado fraco, sou isto, sou aquilo. Adya deu o exemplo de alguém cuja crença fundamental era "fui magoado", ele disse-lhe para ir até ao fundo dessa crença, e claro, a pessoa descobriu no passado alguns dos acontecimentos que a levaram a formular essa opinião. O Adya disse-lhe para ir ainda mais fundo, e "desenterrou" então questões relacionadas com vidas anteriores (embora isso não seja necessário), até finalmente descobrir que não era verdade, ela não tinha sido magoada, porque nada nos pode magoar. Na minha investigação pessoal, ao princípio, claro, surgiram aquelas crenças que geralmente todos têm, quatro ou cinco, até que a certa altura, ao sentar na almofada, bum! caiu como uma bomba. A minha crença fundamental saiu formulada de uma forma que me arrasou.

Outras questões surgiram das perguntas dos participantes. Uma mulher falou da solidão, de ocupar-se o mais possível durante o dia de forma a chegar a casa o mais tarde possível... pois não havia ninguém em casa. Pude ver que essa era uma que tocou alguns (e a maneira de ver isso é quando alguém começa a chorar - por isso houve alguma choradeira nisto tudo!). Outra pessoa falou da sensibilidade à tristeza e à dor, a não aceitação do amor. E outra foi sobre a procura "I've been searching for 15 years and you tell me it's because I want to!"

Outra ferramenta importante do ensino de Adya é descobrirmos qual é "a nossa pergunta fundamental", a pergunta que nos levará a atravessar "o portal sem porta". Uma história interessante sobre este tipo de busca, é a de Högen, que ele conta no site The Open Way (o que me faz pensar na história de Perceval e que o problema era ele não fazer a pergunta).

Um ponto interessante abordado por Adya, foi o de não ter de escolher, o de seguir "a nossa inclinação" particular, que é única, que desabrocha para nós com o caminhar e incentiva-nos a seguir numa determinada direcção. Chega um momento, depois de alguma abertura, em que estamos sintonizados com a forma como as coisas são. Em que as coisas fazem sentido. Damos um passo, e não temos de pensar dois ou três mais à frente. Só temos de dizer sim àquele primeiro passo. E aí deixamos de andar a correr de um lado para o outro e juntamo-nos ao nosso propósito de vida.

"O que está a olhar através dos teus olhos, é o estado de consciência primordial."

"Não despertamos, o despertar desperta-se a si mesmo, a consciência está consciente de si mesma."

A última fotografia, de Adya e Mukti, é do site Adyashanti; as restantes são minhas.

3 comentários:

Anónimo disse...

Tem sido uma experiência maravilhosa ler os artigos do teu blog. És muito esclarecida e aprecio muito a oportunidade de por alguma forma ter cruzado o teu caminho. Bem hajas.

chumani disse...

Fantástico, temos então de partilhar mais experiências :)

Nadinha disse...

Achei muito interessante esta sua narração do retiro.
Às vezes é importante fixar as frases exactas, mas elas perdem-se na tradução...