quinta-feira, julho 27, 2006

A mente que procura

De repente, bateu-me! daqui a quinze dias estou a voar para Nova Iorque. Via Paris. Adoro aviões, adoro viagens. E não, não vou a Nova Iorque por causa das galerias, dos museus, para passear na 5.ª Avenida (ou lá onde é in passear) - embora não tenha nada contra isso e reservei uns diazitos para o turismo da praxe. Vou fazer um retiro. No Garrison Institute. Não tem um ar fantástico?

Vou participar no retiro de Adyashanti, um professor originário de S. Francisco... uma das minhas cidades-mito. Pois, sou assim, quando toda a gente pensa em ir à Índia e ao Tibete, eu penso em S. Francisco! Já me perguntaram o que há de tão extraordinário com este professor que me leva a atravessar o Atlântico para o ir conhecer. Pois, quando voltar, espero responder melhor a isso. Mas para começar, embora tenha praticado Zazen (a professora dele foi discípula de Maezumi - como o mundo é pequeno!) durante 15 anos, no final, transcendeu a própria linguagem do Zen e fala da "experiência" (a tal!) com palavras que estão para além das frases feitas.
O poema que escreveu depois de despertar:

Hoje acordei, finalmente vejo que o Eu voltou ao Eu.
O Eu nada é mais do que o Eu.
Sou imortal, sou infinito, estou livre.
Os pássaros cantam lá fora e aqui estou eu.
Olhar as folhas das árvores, esse olhar sou eu.
O corpo respira, eu sou o respirar.
Estou desperto e sei que estou desperto.
Ao ver com o antigo olhar, tudo está adormecido,
tudo é jogo, ilusão.
Mas agora estou desperto.
Sou a jogada, sou o jogo, sou a ilusão.
Sou a iluminação por que ansiava, procurando por todo o lado.
Nada está separado, nada está só.
Sou tudo o que vejo.
Tudo o que cheiro, provo, toco, sinto e sei.
Estou desperto, e este despertar é o mesmo do Buda.
Hoje a folha volta à raiz.
Sou todo nome e forma e para lá do nome e da forma.
Sou Espírito, deixei de ser prisioneiro de um corpo.
Sou livre. Sou livre porque acordei.
Tão vulgar.
Quem haveria de pensar?
Quem poderia adivinhar?
Estou em casa.
Cheguei mesmo a casa.
Dez mil vidas.
Dez mil vidas mas hoje estou em casa.
Dez mil vidas mas hoje estou em casa.
Isto não é uma experiência.
Isto sou eu.
Despertei. Finalmente, despertei.
Nada mudou, mas despertei.
Provei a raiz muitas vezes e sentia...?
Que delícia.
Hoje tornei-me a raiz.
Que vulgar.


Mas ao mesmo tempo, sei isto muito bem (até fiz a revisão da tradução para português!):

"Que pena as pessoas ignorarem o que está próximo
e procurarem a verdade no longínquo,
como alguém mergulhado na água
lamentando-se com sede,
ou uma criança de uma casa abastada
vagueando entre os pobres."

(embora o verso não seja para interpretar literalmente, claro)

Mas quando disse isso a alguém que ia procurar a verdade "no longínquo", claro que obtive a resposta esperada: "sim, mas em Portugal..."

Pois, um dilema, não é? Como eu, muitos budistas da minha geração "emigraram" para procurar a via noutras paragens. E no fundo, faz parte do caminho. Procurarmos a gruta, o professor, o mosteiro, e descobrirmos que sempre trazíamos tudo connosco - mas o percurso faz parte do caminho :)

A fotografia de Adyashanti é do site do Regent Theatre, mas suponho que usaram uma foto fornecida pelo sangha http://www.adyashanti.org/